A Passarela
A PASSARELA
Cajueiro do
Sul, cidadezinha com um pouco mais de vinte mil habitantes, localizada em algum
lugar remoto dentro do sertão nordestino. Uma cidade que raramente ocorria
algum evento importante, raramente nascia alguém na cidade, e mais raro ainda
era alguém morrer nela. O ápice de emoção nessa cidadezinha era poder
presenciar a briga de algum casal enciumado ou o assistir ao velório de algum
idoso nonagenário.
Bem no
coração da cidade havia a avenida Passo Fundo, uma larga e bem asfaltada avenida
que dividia o centro da cidade. Talvez, fosse a única asfaltada na cidade. E
cortando essa avenida havia uma passarela de concreto,de aproximadamente uns cinco metros de altura. Essa passarela já
estava bastante desgastada pela ação do tempo.Ela, provavelmente, foi
construída há uns quarenta ou cinquenta anos atrás, além do mais, parecia não
ter sido construída da melhor maneira possível. E nessa mesma passarela,
diariamente passavam centenas de pessoas por ela.
E todo santo
dia era exatamente a mesmice de sempre: idosos jogando xadrez na pracinha
pública; crianças entediadas tendo que assistir aulas de matemática na escola;
esposas se ocupando das atividades domésticas; maridos trabalhando fora de casa
para poder receber o ordenado; coveiros que não tinham a quem sepultar passando
a manhã inteira jogando conversa fora com os médicos no bar,pois estes também
não tinham ninguém para consultar ou operar ;padres tendo que escutar as
confissões dos terríveis pecados que senhorinhas cometeram ao se esquecerem de
rezar antes ir de dormir.
E assim tem
sido a vida dos habitantes dessa pequena cidade por incontáveis anos e mais
anos, até que em um determinado dia de extremo calor, a sorte de nossa
cidadezinha mudou completamente, da água para o vinho, um completo giro de
trezentos e sessenta graus. Um grupo de
freiras carmelitas estava atravessando essa passarela, que já havia sinais de
rachaduras e que poderia até desabar em algum tempo futuro, e foi justamente
isso que ocorreu: a passarela simplesmente desabou. Mas passarelas, prédios e
pontes desabam com extrema frequência em países de terceiro mundo, isso não
deveria ser motivo para mudar o destino de Cajueiro do Sul ,no máximo uma nota
de rodapé em algum jornal de tiragem nacional. Bem, mas não foi apenas isso que
aconteceu. Por alguma razão extraordinário, no caso, eu até ouso utilizar a
palavra “miraculosa”, as freiras saíram ilesas dessa queda. Para dizer que
elas não sofreram absolutamente nada, as
suas vestes ficaram um tanto amassadas e sujas da queda, pequenos rasgões aqui
e ali em suas roupas, e leves arranhões que se cicatrizaram em pouquíssimas
semanas.
Não preciso
mencionar, que nesse mesmo dia, todos os cidadãos da cidade tomaram
conhecimento do ocorrido, e que em questão de poucos dias, todos brasileiros
ficaram sabendo da história. O acontecimento atraiu atenção de jornais dos
quatro cantos do mundo, jornalistas das mais diversas origens vieram conferir
de perto a história.
De lá pra
cá, surgiram inúmeras histórias adicionais: garotos de doze anos que rezaram
nas ruínas da antiga passarela, e quando foram realizar as suas avaliações de
matérias escolares, as quais não tinham estudado um único segundo, conseguiram
tirar as notas máximas nas provas. Senhores octagenários que fizeram preces nas
ruínas da antiga passarela, alegam que
depois das preces, as suas impotências foram curadas, e eles voltaram a
ter alegrias ao lado de suas velhas esposas. Donas de casa, que sempre foram
estéreis, depois que fizeram algumas orações no que sobrou da passarela, descobriram
que depois de pouco tempo estavam grávidas de seus maridos.
Até
colocaram algumas caixas de madeira perto dos escombros da passarela, e nessas
caixas, visitantes depositavam uma moeda, faziam uma breve oração silenciosa e
iam embora. Em poucos meses, haviam peregrinos e devotos da Passarela, dos mais
diferentes locais do globo terrestre. A cidade logo se tornou uma das mais
prósperas do nordeste brasileiro, o comércio cresceu exponencialmente, diversos
comerciantes foram atraídos para a cidade, e a cidade em questão de meses,
dobrou o número de moradores . Até mesmo
um grande empresário, de renome internacional, que era conhecido por todos como
um ateu convicto que zombava constantemente da fé alheia, depositou uma moeda e
curvou a cabeça, fez uma rápida, mas fervorosa prece silenciosa, e quando ia se
retirando, ele foi questionado por um transeunte qualquer, o por quê dele, que
era um ateu, estar fazendo uma prece para a Passarela, a qual ele logo
respondeu com bastante entusiasmo: “É bem verdade que por muitos anos eu sempre
fui um ateu seguro, mas depois de ler e ouvir tantos relatos sobre a Passarela,
eu pensei comigo mesmo: ‘O que eu tenho a perder com isso? Vou dar uma chance
para a Passarela’. Bem, e aqui estou eu,
e não me arrependo nem um pouco”.
E surgiram
tantas outras histórias e estórias, relacionadas a curas milagrosas ou bençãos
envolvendo “A Santa Passarela”, como ficou conhecida por muitos
naquela cidade, que seria impossível narrá-las todas aqui.
Autor: Candido Catão.
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